terça-feira, 25 de maio de 2010

Ferreira em Campo - uma crônica futebolística sobre procurar emprego

Em tempos de preparação para copa do mundo, lembrei-me de um texto escrito por um colega em 2007. Trata-se de um relato bastante criativo e comovente de um dia na vida de um profissional que busca uma recolocação no mercado de trabalho.


Gostaria de publicá-la novamente, para que todos possam acompanhar o dia do Ferreira, e torcer para os Ferreiras da vida com a mesma intensidade que torcemos para a Seleção Brasileira.


FERREIRA EM CAMPO


Por Eliel de Oliveira Batista

Começa mais um dia, Ferreira levanta cedo, toma seu café preto dá um beijo na sua amada Vivi, faz suas orações e sai. Ferreira agora desce a rua, com sua pasta de Currículo embaixo do braço, com uns trocados dentro de sua carteira, passa pela frente da padaria e cumprimenta seu Pedro, e parou em frente à banca de jornal. Compra um jornal, mais um jornal, dá uma rápida olhada no caderno de oportunidade e sai, sai disparado, correndo atrás do ônibus que está descendo a avenida. E começa, começa mais um dia pro Ferreira. 

O ponto está cheio, Ferreira deixa passar uma senhoa, e uma mãe com seu filho no colo, e entra, entra no ônibus cheio e dribla o primeiro, driba o segundo, dribla o terceiro, a catraca está lotada de passageiros e Ferreira com sua pasta embaixo do braço, segurando o jornal com a outra mão esbarra em um que não gosta da situação e o olha de cara feia. Ferreira pede desculpas, e continua sua corrida, para o ônibus, entra gente, cada vez mais gente, e Ferreira encontra-se espremido, enquanto o ônibus para novamente no ponto. Ferreira com sua visão ampla de jogador experiente percebe que o momento de passar a roleta é agora, e deixa seus oponentes atrás.

Após 34 minutos dentro do ônibus que mais para do que fica em movimento, Ferreira chegou ao seu destino, ao ponto final da cidade. Ferreira desce pela lateral, dribla o primeiro, dribla o segundo, o terceiro e cai, cai no meio do povão e se perde entre propagandistas, vendedores ambulantes, anúncios, pedintes, e chega ao seu primeiro desafio do dia, às 8:20 da manhã. Acabou o aquecimento do Ferreira, agora ele entra na partida em busca do gol.

E lá vem o Ferreira, passou na primeira agência, viu as oportunidades na porta, entrou, pegou mais uma fila para entrega de Currículo e ele analisa a situação friamente, quantos Ferreiras na minha frente! Chegou a sua vez, a moça da recepção pega seu Currículo, olha pro Ferreira, olha novamente pro Currículo, olha novamente pro Ferreira, Ferreira fica na expectativa quando a moça da recepção pega um carimbo e bum! "- Hoje é só deixar!".

Ferreira agradece, dá meia lua na fila e desce as escadas, passa por uma rua, desce uma segunda e lá está novamente Ferreira na porta da agência, olha novamente todas as vagas, pega uma outra fila, aqui não tem como driblar a concorrência, e de novo Ferreira está novamente na frente do balcão, com a moça esperando com o carimbo na mão. – “Parece que desta vez ele não vai receber o carimbo gente!” a moça do balcão pega seu Currículo, olha novamente todas as experiências, passa uma segunda moça cumprimenta a moça do balcão com um “bom dia” e vai-se embora, enquanto Ferreira está lá, olhando firmemente para a moça do balcão rezando a todos os santos e a todos os orixás para passar do meio de campo. Mas a moça do balcão novamente carimba o Ferreira e dá uma pontinha de esperança dizendo: – “Assim que surgir uma vaga no seu perfil Ferreira, entraremos em contato”.


Mais uma vez Ferreira recua um pouco, agradece a moça do balcão e desce disparado pela rua, vira a primeira desce mais um pouco parou no sinal fechado. Ferreira olha tudo a sua volta, pessoas sobem e descem em um ritmo frenético, carros buzinam, aceleram ônibus param no ponto sai gente, entra gente e por um instante Ferreira esquece de seu objetivo. Pronto! Semáforo aberto pra Ferreira, com sua pasta embaixo do braço, com o jornal na mão, atravessa outra rua, cruza com o botequim na esquina Ferreira olha pra dentro, está com fome, está sem dinheiro está em busca de seu objetivo, lembra da Vivi que ficou em casa, lembra de seu beijo, e continua a sua caminhada pelas ruas, driblando, driblando a tudo e a todos.

Ferreira passa em frente a praça, vê um banco, senta e vai ver as oportunidade do jornal, desfolha o jornal, vai direto ao ponto, ao foco, olha as oportunidades e nem se deu conta que o Pirainha seu time do coração havia conquistado mais uma vitória no campeonato, menos ele, que o senador alagoano havia conseguido uma outra vitória, menos ele, que a seleção havia conseguido outra vitória, menos ele.

Ferreira está com o olhar fixo no jornal, no caderno de oportunidade quando vê a oportunidade de seus sonhos. E como um jogador que estava contundido e se recuperou, Ferreira levanta animado, olha pro endereço e saí em disparada. Já passa dos 25 minutos do primeiro tempo e lá vem Ferreira pela lateral direita, passa por botecos, padarias, carros, avenidas, pessoas e chegou lá no endereço, novamente outra agência. A fila está grande, e Ferreira espera a sua vez, ansioso, com o Currículo na mão, e jornal embaixo do braço abre um sorriso para a moça do balcão, entrega seu Currículo e aguarda tão ansiosamente que nem se dá conta quando a moça do balcão pede pra ele aguardar na sala do lado. Incrédulo, simplesmente Ferreira está incrédulo com o que acabou de ouvir, agradece a moça do balcão com o carimbo na mão e vai pra sala ao lado. Olha para todos os lados, e vê mais Ferreiras, que com certeza deixou várias Vivis em casa, esperando ansiosamente.

Já se passou 35 minutos do primeiro tempo, quando chega outra moça e dá vários testes para os Ferreiras fazerem. Ferreira olha para o alto, reza, olha para os lados e vê todos olhando firmemente para os testes. Ferreira começa a fazer, passa pelo testes de português, teste matemático, teste de conhecimentos gerais, teste de atenção concentrada e passou por todos os testes! Ferreira se anima, vai agora como um ponta de lança fazer dinâmica de grupo, Ferreira corre, se esforça, trabalha, opina, fica suado, batimentos quase nem sente mais, sempre focando, sempre buscando e passa por mais um teste!

Falta pouco Ferreira, falta pouco, falta somente entrevista individual pra você ser encaminhado pra empresa, vamos Ferreira, levanta a cabeça, corre mais um pouco, Ferreira saiu na frente, mas olha para os lados e tem concorrência, olha para o banco de reserva muita gente fazendo aquecimento, correndo na lateral do campo com o Currículo na mão.

E já estamos no acréscimo do primeiro tempo quando Ferreira é chamado pra ser entrevistado individualmente, já se passam das 12:30 horas, Ferreira sente fome, sente a boca amarga, sem a barriga dar nó, sente cansaço, mas não desiste, não agora faltando tão pouco. Ferreira entra na sala, tem mais duas moças pra ser passadas, e Ferreira está lá, no foco, em busca do gol. E começa a entrevista, Ferreira é questionado sobre suas experiências profissionais, passa com facilidade, perguntado sobre habilidades manuais, passa com facilidade, Ferreira está chegando cada vez mais perto, é perguntado sobre perspectivas futuras, fica enrolado, não sabe o que querer no futuro, só pensa no aqui e agora, e parece que Ferreira não convence muito, esta barreira está difícil de passar, e lá vem a moça com mais uma pergunta e pergunta sobre o –“por que eu devo te contratar” Ferreira olha para cima, como se a resposta estivesse escrita em algum lugar, olha para as laterais, e vê outros Ferreiras em aquecimento, pronto pra entrar jogar e tentar convencer, recorda-se novamente da Vivi em casa, esperando por um gol de seu maior atacante. Ferreira responde, será que convenceu? E é fim de primeiro tempo, o que acontecerá com Ferreira quando voltar do intervalo?

Você arrisca?

3 comentários:

  1. Luiz Antonio Funabashi25 de maio de 2010 às 17:36

    Como técnico ele estaria fora do time. Faltou controle emocional, não estava preparado para o "jogo", e quando não tem um objetivo bem definido e desconhece o seu papel, não deveria estar mesmo no time onde faria parte.
    É o jogador que corre o campo inteiro sem pegar na bola.

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  2. Acho que se o perfil e experiência dele atende, ele é um grande candidato. Para se avaliar se havia ou não "falta de controle emocional" como foi mencionado no comentário anterior, não se deve apenas tirar conclusões precipitadas de uma pergunta que não serve para 100% das ocasiões, é pra isso que serve uma entrevista, para perguntar, conversar, tirar dúvidas que restam a respeito do candidato, troca de informações e não apenas preenchimento de formulário. Quantos candidatos bons (dentro do perfil) como o Ferreira já não passaram pela mesma situação de ter o agora como objetivo principal? Desculpe Luiz Antonio, mas como técnico, você está se saindo um bom "Dunga"...

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  3. Bem, depende da sensatez do entrevistador. Se der foco para a capacidade de trabalho do Ferreira, certamente vai ignorar o fator emocional e compreender a necessidade quase instintiva de um desempregado, que muitas vezes perde até sua capacidade de raciocínio para tentar impressionar com um pouco mais de criatividade rápida o entrevistador.

    Se o currículo for bom e esse departamento de recrutamento for competente, certamente a última pergunta será substituída no segundo tempo por essa: "o quanto você precisa desse emprego?".

    Excelente narrativa, adorei o texto, e vou voltar mais vezes! Convido-os a visitar também meu blog sempre que puderem, onde abordo geração y, mercado de trabalho, sociedade, entre outros assuntos.

    Grande abraço,
    Adriano Berger
    http://nanoberger.blogspot.com

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