quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Talento para gerir talento

Saber o que é talento, como identificá-lo e em que posição colocá-lo na empresa são ações que, malfeitas, atravancam o aprimoramento de uma boa gestão desses profissionais. Mas empresas ainda não se deram conta disso. mas outras, dão o exemplo
Revista Melhor - Carolina Sanchez Miranda e Gabriel Jareta
O cenário de crise econômica levou as empresas a se preocuparem mais com a adoção de modelos que as auxiliem na efetiva gestão do capital humano. É o que demonstra pesquisa realizada recentemente pela Mercer junto a 438 empresas. Uma boa parte das companhias
ouvidas possui (39%) ou está desenvolvendo (37%) um modelo sistemático de gestão de seus talentos. O objetivo da consultoria ao realizar a pesquisa foi apresentar um panorama sobre a gestão de talentos, principalmente na América Latina - a maior parte das participantes (49%) atua no Brasil e na região (47%).

A efetiva gestão de talentos, no entanto, é algo que vai bem além de ter iniciativas nesse sentido. "Toda empresa minimamente organizada possui uma forma de lidar com seus talentos. Entretanto, quando falamos de gerenciá-los, estamos tratando de uma administração criteriosa e reflexiva, visando a melhor aplicação de um conjunto de habilidades estratégicas e do potencial de seus profissionais", diz Willian Bull, consultor da Mercer. "Encarada dessa forma, ainda há muito a se fazer para aprimorar a gestão de talentos", complementa.

De acordo com ele, uma confusão muito comum que as empresas fazem quando se trata desse assunto é tomar uma única variável para definir talento, ou seja, como sinônimo de competência, desempenho ou potencial. Na visão do especialista, para identificar os
talentos no ambiente organizacional é preciso um olhar mais amplo, considerando a complexidade da companhia e a capacidade das pessoas para lidar com essa complexidade.
Mas, na prática, nossa cultura privilegia a análise de gaps quando o assunto é encontrar talentos. "Aponta mais o que falta a um determinado profissional - comparando-o a um perfil ideal - do que realça o que ele possui de melhor", comenta Bull. Segundo ele, a primeira pergunta a ser feita na análise do profissional deveria ser sobre onde seria possível aproveitar melhor o talento daquele indivíduo, onde ele poderia aplicar melhor suas qualificações e potencial e em que nível de complexidade organizacional ele realmente poderia agregar valor.

Dessa forma, o consultor afirma que, em vez se ter um olhar elitista sobre o que seja talento, é preciso indagar: talento para quê? "A grande maioria das organizações não consegue definir o que seja o talento de forma clara e compartilhada com a liderança sênior", lembra. 

Portanto, uma boa gestão de talentos seria decorrente de uma cultura que valoriza o profissionalismo na identificação de talentos, que possua um sistema de administração de informações compartilhado com a liderança e que gere efetivas oportunidades de desenvolvimento e aplicação dessas capacidades.

Transformar potencial em resultados

De acordo com o levantamento, a principal finalidade da gestão de talentos para a maior parte das empresas (41%) é a de transformar o potencial dos profissionais em resultados. Por isso, a preocupação com o assunto pode aparecer quando a empresa pretende ampliar o seu crescimento.

Esse foi o caso das Lojas Renner. Para consolidar um grande projeto de expansão, iniciado nos anos 1990, a rede apostou suas fichas em profissionais da casa para gerenciar as novas unidades que iam sendo inauguradas no país - no início, para regiões vizinhas ao estado-sede, o Rio Grande do Sul, e, nos últimos anos, para as principais cidades do Norte e Nordeste. Hoje, a empresa já tem mais de 10 mil funcionários em cerca de 120 pontos no Brasil e continua a apostar em treinamento intenso e nos seus talentos considerados "imperdíveis".

O foco das empresas no desenvolvimento de profissionais não está apenas em cargo de liderança ou para o exercício desse tipo de função. A pesquisa indica que não há um direcionamento de ações exclusivamente por nível hierárquico, embora a atenção principal seja para os diferentes níveis de liderança (44%). Boa parte das participantes da pesquisa (29%) indicou dedicar esforços também ao desenvolvimento de profissionais considerados de alto potencial. As iniciativas tomadas como incentivo aos talentos são tipicamente de remuneração, planos de desenvolvimento individual, de carreira e de sucessão.

O objetivo inicial de um sistema de gestão de talentos costuma ser a administração do risco em relação a algumas posições para que a organização possua backups. Essa preocupação, entretanto, não se restringe ao preenchimento de posições-chave, se amplia com ações de desenvolvimento de um banco de talentos, visando gerenciar melhor as oportunidades de carreira e sucessão.

Como se identifica o talento

Existe uma prática de avaliação relativamente generalizada (60%), que utiliza uma mescla de critérios, com ênfase para a observação de desempenho, das competências e da capacidade potencial. Olhando isoladamente para os fatores de avaliação, percebe-se uma predileção pela combinação de competências e desempenho (29%) e pela avaliação da capacidade potencial (27%).

Na implantação do programa de gestão de talentos da Klabin, por exemplo, o foco foram as competências para a liderança. De acordo com a gerente de desenvolvimento organizacional de RH da companhia, Rosa Maria Tolezano Pires, o Programa Klabin de Desenvolvimento (PKD), estruturado em parceria com a Fundação Dom Cabral e o Instituto Pieron e iniciado há cerca de cinco anos, propôs a elaboração e implantação de um Modelo de Competências de Liderança Klabin, que envolveu em torno de 300 gestores, entre diretores, gerentes e coordenadores.

"A finalidade principal foi preparar todos os gestores para atuarem de forma coesa e alinhada com os objetivos empresariais, na busca da excelência na gestão, satisfação dos clientes e crescimento sustentado", afirma ela.

Para ser colocado em prática, o PKD foi estruturado em três fases. A primeira ocorreu entre 2004 e 2005, justamente com o objetivo principal de nortear os planos de preparação e desenvolvimento dos gestores por meio de um modelo de competências. A segunda etapa, entre 2005 e 2006, teve como foco a implantação de um Programa Básico de Desenvolvimento das Competências, para promover o alinhamento e estabelecer uma linguagem comum entre os gestores sobre as competências identificadas na primeira fase.

Ainda em 2006, a terceira fase consistiu na construção do Centro de Acompanhamento da Performance dos Executivos (Cape), um sistema integrado de gestão da performance e a contínua renovação das práticas de liderança da empresa. Para isso, esse centro parte de instrumentos como análise de desempenho e potencial, identificação de talentos e potenciais sucessores.

Segundo Rosa Maria, o processo foi consolidado em 2009, por meio da implantação de comitês que fazem o cruzamento minucioso das informações armazenadas no Cape. "O resultado dessas análises possibilita que a equipe de RH, em parceria com os diretores e gerentes, identifiquem os diferentes níveis de potencialidades dos gestores e recomendem os programas necessários ao desenvolvimento individual e do grupo, bem como as possibilidades de movimentações", explica. Ainda de acordo com a gerente, a identificação e movimentação de talentos dentro da empresa são divulgadas pelos meios de comunicação internos. 

A questão da transparência na gestão de talentos é um ponto interessante do resultado da pesquisa realizada pela Mercer. Boa parte das empresas ouvidas (40%) declarou ter seu processo de identificação de talentos e acesso a resultados transparente e participativo. Na visão da consultoria, esse resultado parece possuir correlação com o fato de 36% das companhias possuírem atividades contínuas de análise de seu programa de gestão de talentos, de maneira alinhada com outros processos de RH. Entretanto, mais de um terço das respostas (33%) indicou que há organizações nas quais as informações são confidenciais e restritas a alguns executivos.

Gestão alinhada com a estratégia de RH

Grande parte das companhias que participaram do levantamento (88%) demonstrou que de alguma forma se preocupa com a análise do potencial de seus profissionais. Mas o objetivo dessa análise dilui-se em ações de diferentes naturezas. Serve para atender desde a seleção até o desenvolvimento. Embora a utilização da avaliação do potencial dos profissionais em processos seletivos seja baixa, quando aplicada, ocorre para os níveis de gerência (66%) e direção (60%).

Atualmente, a rede Lojas Renner procura identificar e treinar seus talentos desde seu ingresso na empresa, nos primeiros passos do processo de seleção de trainees, já com o objetivo de tornar as novas gerações preparadas para dirigir a companhia. Clarice Martins Costa, diretora de RH da empresa, conta que a identificação de colaboradores com potencial existe de forma organizada desde 2001, com o modelo de gestão por competências, mas passou a ganhar importância e ter uma metodologia de gestão de talentos propriamente dita a partir de 2007.

Segundo ela, a análise dos colaboradores se dá anualmente em dois eixos: competências e resultados. Aqueles que ocupam o quadrante que reúne alta competência e altos resultados são considerados os "imperdíveis", que passam por um plano de desenvolvimento especializado. "Esses 'imperdíveis' passam por novos desafios, job rotation, discutem seu desenvolvimento com profissionais de RH e recebem um bônus de retenção de talentos", afirma. Os potenciais também são agrupados de acordo com a aposta futura: para ocupar cargos mais altos, de gerência ou diretoria, num prazo de cinco ou dez anos.

Assim como na Renner, de maneira geral, a análise do potencial acontece anualmente. De acordo com a avaliação da Mercer, essa prática pode sugerir que as empresas estejam utilizando o desempenho como fundamento dessa avaliação. Sugere ainda que as conclusões desse processo não estejam diretamente associadas ao planejamento de longo prazo, que exista alta variabilidade nos resultados e mudanças no banco de talentos de um ano para
outro.

Assim, a ideia de sucessão parece estar desvinculada de ações para o longo prazo. Provavelmente isso acontece por não se utilizar explicitamente um conceito de potencial e seu desdobramento, bem como pela falta de algum modelo suficientemente validado para sustentar ações e decisões desta natureza.

Embora a análise de potencial seja citada como forma de avaliação de talentos, ao que tudo indica, na maioria dos casos, a metodologia utilizada não guarda relação direta com o objeto de análise. Ou seja, parece existir alguma confusão conceitual que conduz à análise do potencial por meio da observação de traços, tipos psicológicos, comportamentos, preferências, competências, desempenho, todos associados aleatoriamente a "potencial".

Tendo isso em vista, a Mercer concluiu que boa parte dos processos de avaliação de potencial é definida internamente às organizações e não se baseia em produções científicas ou estudos de validade. Ao contrário, se fosse baseada em algum modelo que permitisse orientar o crescimento do potencial no tempo, a análise seria mais efetiva para possibilitar o alinhamento das demandas de negócios com as estratégias de recursos humanos.

Banco de talentos e sucessores

Os indicadores de sucesso dos programas de sucessão focam principalmente a quantidade de pessoas identificadas (42%), seguida dos resultados obtidos pelo novo ocupante na posição assumida (24%). Na visão da Mercer, a valorização do número de candidatos à sucessão pode indicar a tendência das empresas de dedicarem-se à formação de um banco de talentos para terem opções de sucessores.

Na Siemens, toda sucessão é mapeada e o investimento para o futuro está na aposta nos top talents. "É muito raro buscarmos um profissional no mercado para ocupar cargos-chave. Quando isso acontece, já estava no planejamento", afirma a diretora de RH, Sylmara Requena. Atualmente, segundo ela, em torno de 90% das sucessões são supridas por profissionais identificados pelo mapeamento da empresa.

Há muitos anos, a gestão de talentos funcionava na Siemens de uma maneira mais convencional: ou os potenciais eram identificados dentro do programa de trainee ou no chamado Programa de Desenvolvimento de Talentos (PDT). Se esses dois meios conseguiam trazer e desenvolver bons profissionais, alguns deles, identificados como de alto potencial, não dispunham de um programa específico, capaz de orientá-los de acordo com as necessidades da organização.

O investimento nesses futuros gerentes e diretores de alto potencial começou a aparecer de forma mais expressiva há cerca de cinco anos, com a implantação de uma ferramenta em escala mundial para identificar os chamados top talents, isto é, aqueles colaboradores com potencial para subir até dois níveis hierárquicos em cinco ou seis anos. Com isso, foi possível estabelecer um plano de desenvolvimento anual, com etapas a serem cumpridas
e avaliação da performance. "Essas ações incluem desde um job internacional até experiência em outras áreas, como a gerência de uma fábrica menor, um reforço acadêmico ou mesmo a experiência de lidar de perto com clientes", explica Sylmara. Segundo ela, o objetivo sempre é formar e conduzir esses talentos dentro do planejamento estratégico. A área de RH também fica atenta para manter a remuneração acima do mercado.

O programa é flexível: muitas vezes, um talento pode se desligar do programa - uma aposta "errada" - ou mesmo não aceitar fazer parte. "Geralmente, os profissionais ficam muito lisonjeados, mas há casos em que eles não querem a exposição e o peso de ser um top talent", conta Sylmara. Um top pode surgir em qualquer área e nível hierárquico. A transferência entre países é comum, já que a ferramenta é mundial.

No Brasil, a Siemens conta com onze unidades fabris, seis centros de pesquisa e desenvolvimento e cerca de 9 mil colaboradores. Atualmente, 33 profissionais brasileiros estão entre os top talents (dentro de um universo possível de cerca de 600 pessoas de níveis mais altos) e a previsão é que em 2010 esse número passe para 46. "São profissionais que precisam ter a mobilidade de viver em outros países, devem ter um nível de perseverança muito alto e passam a ser acompanhados diretamente pelo CEO. Para nós, é
importante ver quão concreto pode ser nosso processo e a aposta que fizemos", conclui a diretora de RH.

Em relação às oportunidades de desenvolvimento de carreira, a maioria das empresas que participaram do estudo da Mercer (60%) parece possuir flexibilidade suficiente para permitir amplas movimentações: dentro da mesma área e/ou eixo funcional (18%), entre áreas e eixos funcionais (19%) e entre negócios e/ou regiões geográficas (13%).

Segundo Clarice Martins Costa, diretora de RH das Lojas Renner, os cargos de gerentes regionais e de produtos hoje são todos ocupados por oriundos dos processos de treinamento e gestão de talentos. "Eles têm a prática de valores da organização, conhecem a cultura muito mais do que alguém que viesse de fora", aponta.

Um exemplo dessa prática é a história profissional de Eduardo Vargas, 38 anos. Há 12 anos nas Lojas Renner, o gerente-geral é hoje responsável pelas operações em cerca de 65% do mapa da empresa no país. Na empresa, onde entrou pelo programa de trainees, já trabalhou em diversos estados e foi um dos primeiros a assumir lojas no Nordeste.

Para ele, a gestão de competências e, posteriormente, de talentos da empresa contribui principalmente para que o jovem profissional saiba que caminhos seguir dentro da organização - no caso dele, as orientações no princípio de sua trajetória fizeram com que ele optasse pela carreira no setor de lojas. "Era uma área desconhecida para mim", lembra. Atualmente, é Vargas que, como líder, está atento para a formação de sucessores. "A empresa sempre dá muitas oportunidades, deixa as portas abertas, mas a atitude tem de partir do profissional", aconselha Vargas.

O segredo para atrair e reter talentos

A tendência de as empresas voltarem seus esforços para a gestão de talentos continua, mesmo depois da crise econômica, segundo Willian Bull, consultor da Mercer. "As crises podem alterar um pouco o equilíbrio entre oferta e demanda por talentos, porém o problema no Brasil é estrutural e de falta de formação contínua em setores que demandarão muito mais gente qualificada, daqui por diante e durante um bom período de crescimento da economia", afirma. 

Portanto, segundo ele, possuir um sistema de gestão de talentos eficaz, que proporcione informações para a tomada de decisão sobre desenvolvimento, alternativas de carreira, mobilidade, sucessão e remuneração continuará na pauta dos CEOs e RHs. Mas como fazer isso de maneira eficaz?

Bull acredita que há uma fórmula para a atração e retenção de talentos. "Entretanto, podemos afirmar que é mais difícil perder um talento quando ele responde ao desafio do ambiente, em um nível que é condizente com suas capacitações, pois ele estará genuinamente comprometido, focado e aplicando o que tem de melhor para solucionar os problemas que lhe são apresentados", diz. "É claro que essa afirmação pressupõe também
o consequente reconhecimento profissional em termos de remuneração total", complementa.

Para concluir, ele lembra que a atração de talentos deve ser discutida à luz da mudança demográfica que está em curso. "Ou seja, para além das boas condições e ambiente de trabalho, precisamos compreender o que pensa e o que valorizam os profissionais das distintas gerações", finaliza.

Olhar mais aguçado
Consultor mostra o que merece maior reflexão na hora de pensar em talentos
Para o consultor da Mercer Willian Bull, identificar os talentos no ambiente organizacional requer um olhar sobre a organização, sua complexidade e
sobre as pessoas, sobre suas capacidades para lidar com a complexidade
organizacional:
1. Refletir sobre os imperativos do negócio, pois isso dá a dimensão dos resultados que a organização necessita produzir. Dentre outras coisas:
a. que forças na indústria, na economia e no mercado estão produzindo desafios ou oportunidades para você?
b. o que está mudando no cenário ambiental e competitivo que trará grandes implicações para seu direcionamento futuro?
c. qual é sua estratégia para superar esses desafios ou aproveitar as oportunidades?
d. quais são algumas oportunidades fundamentais - em que áreas deve melhorar para evoluir no futuro?
2. Preparar uma estrutura organizacional capaz de responder ao ambiente externo, com muita clareza sobre como esses níveis agregam valor para a estratégia
empresarial.
a. que níveis devem assegurar o presente e que tipo de resultado devem produzir?
b. idem, em relação ao futuro?
c. os níveis de delegação e de alçada são coerentes?
3. Definir os requisitos de liderança, perfis de sucesso e quais são as posições críticas da estrutura organizacional.
a. o que a liderança deve realizar para responder aos desafios empresariais de forma bem sucedida, colocando as prioridades estratégicas em prática?
b. quais as principais capacidades de liderança e dos profissionais, em todos os níveis, para alcançar sucesso no presente e no futuro?
c. quais são os princípios que deverão norterar os comportamentos da força de trabalho?

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