quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Igreja Católica - Entendendo o RH desta multinacional, parte 2

A Igreja Católica tem metas e critérios espirituais, mas lida com uma gigantesca estrutura de pessoal e emprega um engenhoso sistema de gestão financeira. Entenda como funciona o RH dessa multinacional da fé

Por Karla Spotorno e Marcelo Musa Cavallari- Revista Época Negócios
THOMAS SUSEMIHL
CARREIRA_O padre Anderson Banzatto, 27 anos, é vigário da Nossa Senhora do Brasil, em São Paulo, desde 2009, mas não sabia que seria designado para essa igreja

 A fé e o INSS
O padre estuda de graça, trabalha como uma espécie de sócio da igreja e, quando envelhece e se aposenta, vai, na diocese de São Paulo, para a Casa São Paulo, mantida por uma espécie de previdência privada do clero, a Venerável Irmandade de São Pedro dos Clérigos. Quem contribui para ela não é o fiel, mas, sim, os próprios padres, por meio do dízimo sacerdotal, de 10% de sua remuneração. Também do bolso do padre sai a contribuição para o INSS, que a cúria o aconselha a pagar como autônomo. O seguro-saúde dos padres é privado, contratado pela diocese ou pela paróquia. Na Nossa Senhora do Brasil, o plano é Sul América. O padre tem uma folga semanal, geralmente às segundas-feiras, e pode tirar férias. É coberto pelos párocos da região. Financeiramente, não dá para ir muito longe como padre. Na carreira, o posto mais prestigioso é o de papa. Mas ele só foi ocupado até hoje por 265 pessoas nos 2 mil anos de história da Igreja. É bom não contar muito com isso. Cardeais há um pouco mais. O papa é quem os nomeia. Hoje são 185, mas só os que ainda não atingiram a idade de 80 anos participam do colegiado que elege um novo papa. Vários trabalham nos órgãos da cúria romana cuidando de assuntos específicos como doutrina, liturgia, família, clero. Como os candidatos podem vir do mundo todo, não são todos os padres que podem almejar, realisticamente, tornar-se um cardeal.
Os cargos reais na igreja são apenas três. Há os diáconos, que no passado foram muito importantes, mas hoje são pouco mais do que um estágio na formação do padre; os padres; e os bispos. O restante, como monsenhor e cônego, são títulos dados a diferentes funções. Teoricamente, então, um seminarista pode almejar se tornar um padre e, no futuro, um bispo. “Mas ninguém entra na igreja para fazer carreira”, diz o padre Helio.
Promoção a bispo
Mesmo assim, alguém tem de seguir carreira, porque é necessário que haja bispos. Logo que sai do seminário e é ordenado, um padre vai para uma paróquia, como pároco ou vigário. O pároco é responsável pela paróquia administrativa e pastoralmente. Isso quer dizer que, além de rezar missa, administrar os sacramentos, aconselhar e ouvir as pessoas, ele paga as contas e gerencia a receita. O vigário auxilia o pároco e cobre as ausências dele. O pároco tem uma espécie de mandato de três anos que pode ser prorrogado por duas vezes. Quem decide para que igreja vai o padre é o bispo. Na arquidiocese de São Paulo, a decisão é do bispo regional. Ao padre cabe obedecer.
Quando aspirante a seminarista, Anderson Banzatto, vigário na Nossa Senhora do Brasil, almejava atuar na paróquia São Joaquim, no Cambuci, Zona Central de São Paulo. “Mas no seminário aprendemos que, como padres, devemos praticar o desapego e não nutrir expectativas”, diz. Embora tenha prometido obediência ao bispo na ordenação, todo padre tem chance de dizer não ao bispo. “Apesar da hierarquia, tudo na igreja é feito com diálogo e decidido colegialmente”, afirma o padre Helio. Padre Anderson, por exemplo, sonha em fazer uma pós-graduação no futuro, “se o bispo concordar”.
Como um padre torna-se bispo? Observado pelo bispo em sua diocese, um padre pode ser indicado a Roma como bom candidato ao episcopado. O Vaticano promove, então, uma investigação sobre o candidato. A decisão final é do papa. “Ao ser nomeado bispo, o padre sabe que estará deixando o trabalho paroquial, de evangelização e organização da comunidade para assumir uma função mais administrativa”, diz Eulálio Avelino Pereira Figueira, coordenador do Curso de Especialização em Ciências da Religião da PUC-SP. Por vocação pelo trabalho em paróquia ou para não serem enviados para uma região inóspita e sem infraestrutura, alguns padres não desejam ser ordenados bispos. Consta que um padre pode negar até duas vezes a ordenação, mas depois deve aceitar. Mas Figueira ressalta que não é possível tratar a sagração de um bispo como uma promoção em uma empresa, embora a igreja católica tenha dado uma grande contribuição para a gestão das companhias. Com uma organização hierárquica considerada eficiente, sua estrutura serviu de modelo para muitas empresas, que passaram a incorporar uma série de princípios e normas administrativas utilizadas na igreja.
A sagração do bispo, que poderia ser entendida como uma promoção dada a um padre dentro da lógica corporativa, é cheia de significados e símbolos. “A dinâmica profana não se aplica à igreja por princípio, porque seu objetivo número 1 é a espiritualização”, diz Figueira.Além de ser coordenador-geral de uma diocese, o bispo tem a função de representar o emissário de Deus, que é o papa. Assim, quando um padre obedece à ordem de seu bispo, ele não entende aquilo simplesmente como uma ordem de seu chefe, como seria a lógica de um funcionário em uma corporação. “Ele compreende que é uma designação divina e que, obedecendo àquela ordem, ele será instrumento de Deus para espiritualizar, levar a religião a uma determinada localidade”, diz Figueira. “Ao obedecer ao bispo, o padre está obedecendo a Deus.” E, na igreja, isso não é piada da hora do cafezinho sobre o chefe.

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