quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A Nova Era da Geração do RH

Não basta vocação. Quem busca ingressar no RH ainda sofre com o preconceito contra a área no mercado, com a falta de preparo das universidades e até com os estágios burocráticos oferecidos pelas empresas

por Ursula Alonso Manso- Revista Você RH

De importância crescente, a área de recursos humanos há muito deixou de ser aquele setor que se limitava a rodar a folha de pagamentos para ocupar posição estratégica, estreitamente vinculada ao negócio da empresa. Cada vez mais valorizado pelas companhias, subordinado diretamente à presidência e com status equiparado ao de outras áreas, o RH, porém, ainda patina quando o assunto é atrair profissionais bem qualificados. Ironicamente, um tema em que, em tese, a área é mais do que especialista. “De estagiário a diretor, a área de RH é uma das mais difíceis de recrutar”, diz Sofia Esteves, sócia-fundadora da Cia de Talentos, uma empresa do Grupo DMRH. “Falta gente com boa qualificação que tenha interesse em atuar na área e, em consequência, gasta-se de 30% a 50% mais tempo para preencher uma posição de RH.” Em 2003, uma pesquisa realizada pela Cia de Talentos com mais de 3 000 universitários identificou que 9,5% deles desejavam atuar no RH. Seis anos mais tarde, apesar de a área ter ganho mais destaque no mercado, seu desempenho em nova pesquisa realizada pela consultoria foi ainda mais baixo: apenas 7% declararam preferência pelo RH.

Como se não bastasse o fraco interesse, as pedras pelo caminho desses 7% que querem seguir carreira na área são tantas que será preciso muita perseverança até possam exibir um cargo de analista ou coordenador de RH no crachá. Quem chega lá, no entanto, garante que vale a pena. “O RH hoje tem o mesmo peso de outros setores, tem que mostrar como aumentar a rentabilidade da empresa por meio das pessoas, criar indicadores e comprovar o retorno de seus investimentos”, afirma CAROLINA DUQUE, de 30 anos, recém-alçada à diretoria de gestão de pessoas da TAM.

Esse discurso, porém, Carolina conheceu na prática. O conceito da área que passavam a ela antes de ingressar no meio era bem diferente. “Desde cedo tive vontade de ser executiva em uma grande empresa e já entrei na faculdade de psicologia visando ao RH”, lembra Carolina, que, ao demonstrar o interesse pela área, era observada com estranheza pelos próprios professores. “O conteúdo do curso era muito embasado na área clínica, preferida por 80% da turma, e os professores estranhavam minha opção pelo RH, perguntavam como eu aplicaria o que estava aprendendo em uma empresa”, conta a diretora, formada pela Universidade Católica de Pernambuco. Experiência semelhante viveu TATHIANA CANAN, de 29 anos, gerente de capital humano da Sykes, multinacional americana do setor de call center sediada em Curitiba. “O curso de psicologia não prepara o profissional para os desafios do RH de hoje. Eu tenho de negociar com clientes internos, externos e fornecedores, sentar à mesa com sindicatos, fazer orçamentos e projetar inflação — nada disso eu aprendi na faculdade”, afirma ela, formada pela Universidade Tuiuti do Paraná. “A faculdade de psicologia forma profissionais com foco analítico em pessoas, deixando o comercial para trás. As aulas de psicologia organizacional e de processos de RH foram o que tive de mais próximo do RH, uma cadeira restrita a como fazer entrevistas de seleção e pesquisas de clima, por exemplo”, conclui.


Se o profissional migra de curso para obter um conhecimento mais próximo da atual função da área, porém, ele vai sofrer com outra questão: o preconceito. Isso porque, apesar da valorização crescente, o setor é ainda muito depreciado no meio, especialmente nas faculdades de administração de empresas. “Não são raros os casos de professores de administração que dizem aos brados: “Aluno meu não estagia em RH’”, conta Sofia. Gerente de remuneração da Souza Cruz, AMANDA MELLO, de 25 anos, sentiu isso na pele. “Sempre soube que queria trabalhar com pessoas e entendi que isso era trabalhar em RH no segundo período da faculdade de administração de empresas”, lembra. “Logo comecei a procurar estágio na área. O professor de administração de RH, é claro, apoiou minha decisão. Outros se surpreendiam: ‘Sério? Você gosta disso?’, ou zombavam, dizendo que RH era uma coisa boba, chata, indicando o mercado financeiro para eu ganhar dinheiro”, revela a gerente, que estudou no Ibmec Rio.

Analista sênior de RH do Shopping Conjunto Nacional, em Brasília, uma empresa do Grupo Ancar Ivanhoe, MABELLE ROQUE, de 26 anos, começou estudando psicologia. Desistiu porque achou o curso subjetivo e vago. “Gostava de pessoas, mas não queria atuar na área clínica, então migrei para administração de empresas na Unicesp, em Brasília, atrás de uma visão mais sistêmica”, conta. Encontrou na faculdade de administração os mesmos olhares desconfiados dos professores. “Eles olhavam minha escolha com preconceito e perguntavam: ‘Se você quer RH, por que não está fazendo psicologia?’”. Na prática, a vocação para a área tende a prevalecer sobre o curso do candidato a uma vaga no RH. Pelo menos em empresas como a DHL Express, na qual a diretoria de RH, comandada por uma administradora de empresas, tem não só outros administradores, mas também uma psicóloga, uma turismóloga, uma relações-públicas e uma bacharel em letras. Ou como a L’Oréal, cujo RH conta com uma engenheira, além de psicólogos e administradores. “O RH tem que gerar faturamento para a empresa. Para isso, o profissional precisa ter muita visão de mercado. E, na minha opinião, 60% do sucesso depende dele, do profissional, não é da faculdade nem do mercado”, diz Tathiana, da Sykes.

Qualquer que seja a universidade escolhida, eventuais lacunas podem sempre ser preenchidas por cursos de pós-graduação. A psicóloga Carolina Duque, por exemplo, cursou MBA em gestão empresarial na Fundação Getulio Vargas (FGV). Já a coordenadora de recrutamento e seleção da L’Oréal, a administradora de empresas Raquel Feijó, de 28 anos, está cursando MBA em gestão de pessoas, também na FGV.

Ao buscar um complemento para sua formação, essa nova geração começa a mudar um pouco o perfil da área. Diferentemente de seus líderes, os novos profissionais não chegaram ao RH simplesmente por acaso, mas por vocação. Mesmo em meio às dificuldades e ao preconceito, buscaram essa área por se identificar com a função, algo ainda raro de se observar. “A maior parte dos profissionais de RH ainda são pessoas que tiveram uma oportunidade na área, chegaram lá sem saber muito bem o que fazer e acabaram gostando”, constata Sofia Esteves, da Cia de Talentos. Mellina Zerbinatti Faragi, de 26 anos, a turismóloga da DHL Express, é analista de treinamento. Entrou na empresa pela porta da central de atendimento e logo tratou de fazer pós-graduação em negócios internacionais no Mackenzie, em São Paulo, para entender melhor o negócio do grupo. Começou a treinar novos funcionários, ajudou a desenvolver material para a área de atendimento ao cliente da DHL e acabou convidada para fazer parte da equipe de RH. “Adorei e não quis sair mais”, afirma. Marcos Paulo Barros, de 29 anos, analista de treinamento da Unimed, também se identificou com a área. Ele, que fez administração de empresas na UniverCidade, no Rio, teve como primeiro emprego o cargo de operador de telemarketing na Bradesco Seguros, na qual em pouco tempo passou a ministrar treinamentos técnicos sobre seguros, legislação e sistemas internos. “Foi o suficiente para me encantar com o universo da educação corporativa”, conta Barros, que partiu para uma especialização em educação corporativa na Universidade Veiga de Almeida. Da Bradesco Seguros ele foi para a Unimed, na mesma função de instrutor técnico e, mais tarde, teve uma oportunidade na área de RH.

Não são somente o preconceito do mercado e a falha na formação dada pelas universidades que afastam os profissionais da área de recursos humanos. Em muitos casos, as dificuldades para atrair pessoas residem no próprio RH. “A área se boicota e não atrai gente boa porque precisa transformar também sua própria cultura, deixar de delegar ao estagiário somente as rotinas operacionais”, diz Scher Soares, diretor-geral da Triunfo Consultoria e Treinamento Empresarial. Algo já vivido por quem hoje está em posições mais estratégicas. “Antes da Souza Cruz estagiei numa empresa de tecnologia, na área de recrutamento e seleção, em que só ficava alimentando dados no computador”, conta a gerente Amanda. Carolina, da TAM, passou por experiência parecida. “No meu primeiro estágio não era nem computador, eu tinha uma pasta de vagas disponíveis e ficava tentando cruzá-las com o perfil dos estudantes que procuravam estágio”, lembra Carolina, que recomenda aos novatos fugir de estágios desse tipo.

O comprometimento do alto escalão da empresa com a área também faz diferença para quem está chegando ao RH. “Houve companhia em que trabalhei que o RH ficava subordinado à diretoria financeira — exemplo de RH que é um simples suporte, diferente do RH que é parceiro. Aqui, estou subordinada ao RH corporativo do Grupo Ancar, sediado no Rio, que está diretamente ligado à presidência, o que faz toda a diferença”, diz Mabelle, do Shopping Conjunto Nacional, que entre um emprego e outro chegou a trabalhar na área comercial da indústria farmacêutica. Uma crise de identidade, como ela mesma cita, já que a maioria das empresas que encontrou ainda olhava para o RH como “aquela coisa que apenas seleciona, contrata, demite e vez por outra treina”.
 
Na DHL Express, a diretoria de recursos humanos está diretamente vinculada à presidência e o próprio presidente, Joakim Thrane, conduz fóruns de liderança. Na L’Oréal, o RH faz parte do comitê executivo da empresa. “São empresas que enxergam a cultura empresarial como patrimônio. E, se a cultura é um dos principais ativos, aumenta o valor do profissional responsável por gerir essa cultura”, diz Scher Soares.

Como consequência, a área se torna mais atraente e menos discriminada, uma realidade que, apesar das dificuldades ainda presentes, só tende a se consolidar na visão otimista dos profissionais. “Há dez anos, o boom nas faculdades de administração era a ênfase em marketing. A ênfase em RH vai ser o boom do futuro”, acredita Barros, da Unimed. Se o alto escalão der respaldo, se as universidades mudarem o discurso preconceituoso e, principalmente, se a área de RH mudar sua postura, sim, um novo futuro começa a ser desenhado.

Um comentário:

  1. A figura do RH, em tempos idos, quando por conveniência, era utilizada pelo grupo gestor das empresas como “Aquele que pune, aquele que demite ou aquele que mandou demitir”. Era só o gestor solicitar ao seu funcionário “falar com o RH” que o mesmo já sabia o motivo da conversa. Era uma situação cômoda, pois o ato de demitir um funcionário é um dos momentos mais difíceis que um gestor pode enfrentar. “Bom, problema do RH!”
    O RH de uma empresa costuma ter a cara e o estilo de seu gestor e, por conseqüência, de sua equipe. É verdade, acredite! Quando não há muita cobrança, participação e o envolvimento com os rumos da empresa é o mínimo necessário, a Direção não espera muita coisa além do cumprimento das exigências legais, por achar que seu RH não consegue “chegar lá”. Paradão ou filósofo demais!

    Parte dos gestores de RH de algum tempo atrás, tinha como ousadia máxima, a ampliação de suas bases horizontais. Com a engorda de seu organograma, construíam barricadas e procuravam garantir territórios conquistados. Enquanto isso, em algum lugar no andar de cima, os demais gestores da empresa discutiam planejamento e rumos estratégicos da empresa. Inclusive de RH!
    De tanto ouvir e falar em competências, a principal competência do RH é freqüentar o andar de cima. Com desenvoltura. Tornar a área de RH respeitada, necessária, participativa, estratégica e alinhada com a Direção e demais Gestores!

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